ATUALIZAÇÃO EM 03/10/2005, por James Sunderland
Abaixo segue a tradução completa da entrevista cedida por Roger Avary, roteirista da adaptação cinematográfica do jogo Silent Hill. Essa tradução é material pertencente ao site SILENT HILL NET. Se você estiver lendo de algum outro site que não seja o original ou de algum mecanismo de busca (Google, Cadê, etc.), por favor, não hesite em me mandar um e-mail denunciando a cópia.
Você pode nos dar algum retorno sobre Silent Hill, o projeto de adaptação e seu envolvimento com ele?
Joguei o Silent Hill original no primeiro PlayStation e achei um jogo fantástico. Lembro dele ser muito avançado em história, atmosfera, no modo como a câmera e a jogabilidade operavam e em quão jogável ele era. Uma das coisas mais importantes para mim enquanto jogava uma aplicação interativa como um jogo é que a interface é tão invisível quanto for possível. Um bom exemplo de uma interface que desaparece depois que você joga por um tempo foi Resident Evil — não parecia como se você estivesse dizendo a seu cérebro para apertar os botões A e L simultaneamente. Você podia enjoar muito mais rápido. GTA é outro jogo com tal interface, embora eu tenha meio que desistido disso porque eles alteraram a interface conforme o jogo evoluiu. Eu estava muito confortável com o original e achei que muitas das mudanças eram desnecessárias.
Enjoei de Resident Evil não somente por causa da história, mas porque ele tinha uma câmera fixa — tenho estado em contato com muito do cinema dos jogos e em quanto ele está gradualmente evoluindo. E então joguei Silent Hill, gostei e deixei de lado como todos os outros jogos antes de seguir com minha vida. Até que um dia recebi uma chamada de Christophe Gans, que é um velho amigo meu, mesmo dos dias em que era um crítico.
Lembro-me de quando estava produzindo Killing Zoe, ele estava produzindo um filme chamado Necronomicon. Fui visitar seu set, e embora não nos conhecêssemos muito bem na época, porque tínhamos o mesmo produtor — Samuel Hadida — e porque Sammy é como uma personagem, nos juntamos como se estivéssemos [risos] indo para a guerra com o mesmo sargento. Segundo, conheço uma enormidade de coisas sobre cinema. Sei todo tipo de coisas sobre filmes, e Quentin [Tarantino] me deu um baque. Não sabia como, mas ele conhecia muito mais sobre cinema do que eu. Bom, Christophe deu um baque em Quentin, o que eu nunca pensei que fosse possível. E não somente em termos de o que ele sabe sobre filmes, mas o que ele conhece sobre todos os tipos de mídia. Você menciona um livro e ele já o leu, fala sobre um jogo e ele já o jogou (e não jogou casualmente — jogou até o fim). Ele investiu de 50 a 100 horas que levam para se terminar todos esses jogos. Não sei como ele arruma tempo — ele não tem vida separada da mídia. Ele também é muito parecido com Quentin em sua energia, logo fiquei muito confortável com ele e nos tornamos muito bons amigos rapidamente.
Algum tempo depois, eu estava exibindo Regras da Atração na França e Christophe e eu saímos para jantar. Lá, ele apareceu com a possibilidade de produzirmos Silent Hill. Agora, a autoria no Japão é severamente mantida e controlada, e os autores de jogos de videogame têm de ser abordados com extremo cuidado se você pretende fazer um filme com seu material. Então, o que Christophe fez foi preparar uma apresentação em vídeo, editando cenas de Silent Hill e outros filmes, e colocá-las todas juntas com seu próprio dinheiro. Além disso, ele gravou uma entrevista em vídeo, que traduziu e enviu para a Konami e para Akira Yamaoka. Yamaoka assistiu e imediatamente disse 'Oh meu Deus, esse é o cara'.
Christophe também produziu Crying Freeman, e também foi largamente elogiado por ser tão imensamente fiel à visão do autor. Eu, por outro lado, comumente reinterpreto material — então diria 'Certo, o jogo ou o livro é o que é, e agora estamos fazendo um filme'. Logo, se você assistir Regras da Atração, é uma história muito diferente do que a que está nas páginas. Fiz muitas mudanças, permanecendo fiel ao material antes de reinterpretá-lo e fazer algo novo a partir dele. Em minha adaptação da vida de Salvador Dali, joguei a vida dele fora e comecei do zero, escrevendo uma biografia fictícia. Esse é o meu método.
Há alguma coisa que você aplicou em Silent Hill, ou a opinião de Christophe prevaleceu?
Foi interessante porque tive de trabalhar da forma oposta á qual estou acostumado. O que Christophe faz, e o que fez com Crying Freeman, é que ele permanece expressamente fiel não somente ao espírito, mas também aos temas, história e visuais do original. Se você assistir o filme de Crying Freeman, verá quadros exatos da novelização — as imagens exatas repdoruzidas fielmente. Logo, seu interesse em Silent Hill foi produzir em uma mídia diferente uma reinterpretação da mesma experiência visual.
Então ele me chama e diz 'Roger, escrevi um script com Nicolas Boukhrief — está em francês e gostaríamos que você escrevesse os diálogos para ele. O filme será em inglês e meu inglês não é tão bom, por isso tudo o que precisamos que faça é escrever os diálogos'. Eu estava no meio de vários outros trabalhos, tinha um trabalho pendente e outro após ele. Mas disse que era algo que eu poderia fazer — poderia espremê-lo entre os outros — e fiz exatamente a mesma coisa (somente de graça) para Crying Freeman. Fiz a adaptação de Silent Hill por muito pouco dinheiro porque Sam e Christophe são amigos próximos, e eu queria morar em Paris por um tempo na Rue des Saint-Peres.
Eles me alugaram um apartamento em Paris e eu me encontrava com Christophe todos os dias no escritório de Sammy. Rapidamente descobri que eles não queriam simplesmente fazer o material que tinham e que eu reescrevesse o diálogo — eles queriam que eu mudasse completamente e re-explorasse conceitualmente tudo. Queriam que eu aparecesse com material completamente novo e de alguma forma permanecesse fiel ao jogo, o que não e tão fácil quanto parece. Se você permanece precisamente fiel aos momentos do jogo e aparece com novos temas, é algo difícil de fazer.
Acabamos gastando vários meses somente preparando um projeto completamente novo, esquecendo tudo após Nicolas e completamente reinterpretando o que os dois haviam feito. Nos sentamos e jogamos todo dia, e observamos seus diferentes movimentos. Tenho de dizer, os diálogos nesses jogos são muito mal escritos. Você já ouviu sobre o jogo Zero Wing — "todas as suas bases pertencem a nós; fique na sua, cavalheiro; alguém nos implantou a bomba"? Essa é geralmente a qualidade das traduções, logo tentamos passar por isso e melhorar para ajudar a fazer sentido.
A dificuldade com Silent Hill é que é uma experiência abstrata — você está fazendo algo que parece um sonho de muitas formas, e onde alguém está em uma dimensão alternativa. Christophe estava me mostrando todo tipo de filmes estranhos na época, coisas como Horror Hotel [conhecido como Cidade dos Mortos fora dos EUA], e eu rapidamente percebi que a habilidade especial que ele queria de mim eram conversas bombásticas. Christophe adora o grande momento. O que ele quer fazer é tornar cada momento de seus filmes no grande momento. Se alguém está entrando por uma porta, ele quer que seja a melhor cena de entrada de todos os tempos. Ele filmará com câmeras especiais e gráficos computadorizados e fará todo tipo de coisa para ter certeza de que aquele momento é diferente de qualquer outro do mesmo tipo que você já tenha visto antes.
Então me sentei e transformei os momentos de diálogo em algo aquém a o que John Milius [escritor-roteirista de Apocalypse Now, escritor de Conan O Bárbaro e autor não creditado da cena de U.S.S. Indianapolis no filme Jaws] escreveria. Quando Milius escreve uma ocnversa, é sempre um grande, forte e impressionante momento onde pessoas estão conversando sobre termos hiperbólicos e tudo o que dizem é quantitativamente profundo. Queria que o filme tivesse a sensação de um filme de bruxaria, porque é o que ele é no fim do dia. Além disso, Christophe quis que o filme fosse cheio de estrogênio.
[Ele cita uma expressão francesa que, considerando o sutil sotaque Californiano, é alarmantemente boa e, de alguma forma, exagerada.]
"Gosto de mulheres — gosto de f*der o brinquedinho Americano. Quero fazer um filme sem nenhum homem e ter mulheres sexies ao redor. Mulheres em todo lugar. Não quero ter de lidar com todos esses homens ou suas atitudes de homem."
Logo, quase toda personagem é uma mulher — havia somente uma personagem masculina. Fizemos uma espécie de composição de personagens na personalidade de Rose. Ela é realmente uma composição de múltiplas personagens dos jogos Silent Hill. Originalmente, seu marido quase não está lá. Uma das notas do estúdio, porém, quando finalmente terminamos, foi "NÃO HÁ HOMENS NISSO!". Então nos pediram para que tirássemos mais da personagem do marido, que é exatamente o que fizemos. Isso na verdade se tornou uma nota muito boa. Onde quer que você receba essas notas de estúdio, seu primeiro instinto é de que isso é pressão, mas quando você pensa e olha bem para elas, você percebe que elas geralmente não são tão ruins. Então, aquela nota nos levou a lugares muito bons e a coisas visuais que percebemos que funcionam com dimensões paralelas que não teriam acontecido se eles não tivessem nos dado as chamadas "notas de estúdio idiotas".
Para a personagem do marido, simplesmente o nomeei de Christopher por causa de Christophe. Eu disse: "Bem, se haverá apenas um cara nisso, que seja você."
O que faremos é finalizar um rascunho — devemos ter feito 20 rascunhos —, enviá-lo a Nicolas que faria algumas mudanças e então enviá-lo de volta a Christophe. Cada simples rascunho que escrevemos teve de ser traduzido para francês, para que Christopher pudesse lê-lo. Ele fala e lê inglês muito bem, mas ainda assim ele os quis traduzidos. Ele escreveria suas mudanças em francês e as teria traduzidas de volta para o inglês, e eu as mudaria para que não fossem simplesmente escritas por um tradutor.
Muito da atmosfera do jogo é derivado de estar ou se tornar perdido em ambientes-labirinto — isso é algo que é mais difícil de despertar quando você está preso à duração de um filme. Isso foi uma consideração na adaptação do jogo?
Na verdade, por causa disso foi difícil que o script fosse aceito pelo estúdio. Temos longas passagens sem nenhum diálogo. Christophe quis garantir que quando quiséssemos diálogo, o fizéssemos grande. Mas no geral, muito do filme são cenas silenciosas — queríamos que fosse silêncio total. Logo, há cenas onde Rose está somente vagando por Silent Hill.
Isso ainda está no filme?
Bom, ainda não vi a versão final, então ninguém sabe como vai ficar. Mas na fase de script, tivemos longos momentos onde aparentemente nada acontece. É tudo atmosfera — você está lentamente caindo em um mundo e o vivenciando como se estivesse no jogo. Não quero ser negativo com o estúdio, mas um filme normal que custa 50 milhões de dólares ou tanto quanto os gastos de Silent Hill devem ter uma estrutura tão normal quanto o possível. O jeito que ele deve ser escrito é que a cada trinta páginas você tem uma pausa, e a cada sete há um fato específico que o leva à sua superhistória. Tudo está tão estruturado que as pessoas se tornaram programadas a isso. Christophe, porém, gosta de misturar diferentes tipos de movimentos cinemáticos. Ele é um pouco como Hector Berlioz, no qual tudo é um movimento musical massivo que subitamente mudará para fazer uma peça diferente se encaixar. Ele não tem problema em gastar trinta páginas de uma trama sem continuar a história, somente explorando um mundo. Então ele continuará a história em outros caminhos.
Havia uma certa quantidade de normalização que eventualmente ocorria, mas então você terá.
Que tipo de impacto Silent Hill causará na maneira como os jogos serão adaptados no futuro? Ele inspirará uma mudança global em todo o campo, ou simplesmente tornará mais fácil que adaptações mais fiéis continuem?
Acho que conforme os videogames evoluem e se tornam mais cinemáticos, haverá uma convergência natural. Acho que uma das maiores frustrações entre jogos e cinema é que os desenvolvedores de jogos tentam cair no entretenimento passivo. Você está jogando um jogo interativo e então subitamente pára e está lá, assistindo a uma cena. É como 'bem espere um minuto, isso é um jogo e eu não sou um participante ativo'. Então eu realmente acho que eventualmente os desenvolvedores de jogos perceberão que entar fazer filmes a partir de seus jogos não é a chave, e sim criar uma experiência interativa cheia de conseqüências que guia a história sem parar. Filmes, por padrão, são entretenimento passivo, o que não significa que é pior ou menos que jogar.
Talvez a pergunta seja: Silent Hill deixará os desenvolvedores de jogos mais confortáveis? Caras como Uwe Boll causaram muitos danos, e não sei se uma boa adaptação de jogo conseguirá desfazer tudo isso.
Você diria que o modo como o tratamento de jogos pela indústria do cinema evoluiu está diretamente ligado à sofisticação dos jogos? Em outras palavras, os filmes foram desrespeitosos, ou os jogos foram muito simples?
Muitas vezes, você tem filmes que foram feitos por pessoas que não têm idéia de como é um esquema de controle ou como é a experiência de jogar. Christophe é um jogador — o cara pode ser um cineasta e um amante do cinema, mas ele ama seus jogos. Quentin Tarantino, por outro lado, não é um jogador. Ele tem na verdade desrespeito ao jogo. Eu não deveria falar por ele assim, mas a verdade é que ele disse "o que eu vou fazer, enfiar meu p*n*s em um disco rígido de Nintendo?". Ele não percebe, é claro, que uma máquina Nintendo não tem um disco rígido mesmo se você, de fato, enfie seu p*n*s nele — isso é um disquete [risos]. Mas Christophe entende a experiência interativa, e acho que conforme a geração mais velhas de cineastas se acaba e uma nova geração que está mais confortável com a experiência de jogar aparece, tais adaptações se tornarão naturalmente mais fiéis, inteligíveis e respeitosas.
Você, como representante da comunidade escritora, estaria apto a adaptar algum outro jogo existente?
Você sabe, estou em discussões com outra companhia de jogos agora sobre adaptar outro jogo para um filme, e me familiarizei — provavelmente por causa de Silent Hill — muito agora. E sou muito cuidadoso com quais jogos escolheria para transformar em filme. Eu diria que mais importante que o jogo em si é o cineasta estar envolvido, e então ele será alguém que eu posso respeitar.
Como escritor você está ligado com um cineasta e é um longo processo. Você realmente precisa ter uma boa conexão com alguém para que o filme seja bom. Por exemplo, se o cineasta X chegasse para mim e dissesse: "Quero fazer Halo", dependeria realmente de quem o cineasta fosse. Talvez esse seja um mau exemplo — há outro escritor que já está nisso. Mas com Grand Theft Auto — um jogo que eu amo — se fosse o cineasta certo então eu o faria, porque seria uma grande experiência escrevê-lo. Nesse ponto de minha vida, não tenho vontade de simplesmente sair criando coisas. Para mim, trata-se de escolher os projetos que eu faço e ter certeza de que a experiência de fazê-los seja tão boa quanto a de jogá-los.
Não ligo de dizer que há outro título da Konami — que não posso mencionar porque ainda não fechamos acordo — sobre o qual Christophe e Sam estão em discussão agora. Já entramos em discussão sobre adaptar aquele material e que seria, eu diria, um sonho se tornando realidade.