ATUALIZAÇÃO EM 03/03/2006, por James Sunderland
Abaixo segue a tradução da entrevista cedida por Christophe Gans à revista EGM. Essa tradução é material pertencente ao site SILENT HILL NET. Se você estiver lendo de algum outro site que não seja o original ou de algum mecanismo de busca (Google, Cadê, etc.), por favor, não hesite em me mandar um e-mail denunciando a cópia.
EGM: O estigma de trabalhar com um filme baseado em um jogo te deteve?
Christophe Gans: É claro que foi desafiador, mas foi impossível para mim produzir Silent Hill e não levar a sério. É muito mais fácil adaptar Doom, mesmo que venha a ser um desastre — como vimos (recentemente) — do que adaptar Silent Hill. Se você quiser adaptar Silent Hill, deve estar preparado para enfrentar toda a complexidade da história. Para um diretor preguiçoso, como o que dirigiu Doom, Silent Hill seria grande demais para engolir. Sonhava em adaptar esse jogo quando comecei a jogar o primeiro há seis anos. Me preparei para isso por anos, sabendo que cada fã no mundo me esperaria com um machado na mão. Levarei um tiro quando for comprar meus jogos na minha loja favorita se eu fizer um trabalho ruim. E entendo isso. Eu mesmo sou um fã dos jogos — admiro o trabalho de Akira e seus amigos, e me sinto como alguém que se juntou ao grupo e tentou transportar aquela incrível peça de arte em uma mídia diferente. Amo os fãs, e entendo essas pessoas e quão tensas elas ficam quando ouvem "Seu jogo favorito vai ser adaptado por um cara francês" (risos).
EGM: É impressionante que você tenha capturado a mitologia dos jogos ao invés de criar uma simples história... isso foi algo que você pretendia desde o início do projeto?
CG: Sim. Porém, quando decidimos produzir Silent Hill, queríamos baseá-lo no segundo jogo. Era muito natural, uma vez que aquele jogo é o favorito de todo fã, é o que possui o mundo mais bonito e é o mais emocional de todos os quatro. Todo jogador que terminou o jogo sabe do que estou falando... é um jogo muito trágico e romântico, e é uma bela adaptação do mito de Orfeu — ir para o inferno para trazer de volta seu amor, Eurídice. Não era um Silent Hill de verdade, porém; a cidade servia como palco para a história, mas não é realmente sobre a mitologia. Logo, quando decidimos fazer o filme, percebemos que seria impossível falar sobre Silent Hill e não falar por quê essa cidade é assim. Então percebemos que teríamos de adaptar o primeiro.
É claro, estávamos encarando o fato de que os personagens que amamos tanto foram criados para jogos, e não para serem interpretados por atores reais. Isso se tornou muito aparente quando começamos a escrever o roteiro e tivemos que lidar com o personagem (principal), Harry Mason. Percebemos após duas semanas do processo de escrita que Harry era na verdade motivado por sentimentos femininos, quase maternais. Não que ele seja afeminado, mas ele age como uma mulher. Então, se quiséssemos manter o personagem, teríamos de mudar outros aspectos dele... e para ser fiel ao personagem, transformamos Harry em Rose. Essencialmente, todas as pessoas que amam Silent Hill estão mais interessadas em ver o clima e a atmosfera dos jogos ao invés de se um certo personagem está vestindo calças ou um vestido.
E também quando decidimos adaptar as personagens de Cybil e Dahlia, achamos difícil, principalmente porque elas aparecem em partes espalhadas no jogo. Quando você tem de criar uma narrativa para esses personagens, tem de trabalhar realmente duro para fazê-los funcionar na tela grande. Eu não quis fazer o que fizeram com Resident Evil: Apocalipse quando colocaram Jill Valentine na tela. Quero dizer, é um exemplo perfeito: eu amo Jill Valentine... no jogo, mas não na tela. Quer dizer, me desculpe, mas simplesmente vestir uma garota como ela não a faz a personagem.
EGM: Você sentiu a necessidade de explicar claramente a mitologia de Silent Hill para a platéia?
CG: É um balanço delicado, porque no jogo estamos seguindo basicamente um personagem, e esse personagem está mais ou menos encontrando pequenas pistas que contam uma história de fundo. Em um filme, podemos mudar a perspectiva quando quisermos. Podemos mostrar o que Silent Hill era antes de se tornar uma cidade fantasma. Podemos mostrar precisamente como Silent Hill é na realidade — nunca vimos isso antes. No jogo, há duas Silent Hills: a Silent Hill de escuridão e a Silent Hill de neblina. Mas quando você tem de contar uma história sobre algo que aconteceu há 30 anos em uma cidade, e essa cidade subitamente se tornou como o Triângulo das Bermudas, você tem de adicionar mais duas dimensões: a realidade e a Silent Hill de 30 anos atrás. Então basicamente, tivemos de lidar com quatro dimensões, e pular entre elas à vontade. Isso torna o conceito muito excitante; é muito trabalhoso misturar a história entre essas diferentes encarnações do mesmo lugar.
EGM: Akira, o que você acha das contribuições que Christophe fez para o mundo de Silent Hill?
Akira Yamaoka: Após ver o filme, acho que Christophe realmente expressou os elementos-chave de Silent Hill, e realmente manteve os temas vivos nessa nova mídia. Silent Hill não é somente um jogo de horror; há drama humano misturado profundamente na história, e acho que ele expressou isso muito bem com os visuais, sons e a atmosfera do filme. Assistindo o filme, senti que você entenderá mais clara e profundamente o mundo de Silent Hill, mais ainda que simplesmente jogando aos jogos.
EGM: Christophe, dada sua condição de fã, você já considerou dirigir um jogo?
CG: Sim, eu gostaria de tentar algum dia. Porque como um diretor que também é um jogador, acho que há dois jeitos diferentes de se contar uma história, e às vezes pode ser como um diálogo entre um filme e um jogo. Gostaria de achar que, por exemplo, uma mulher de 40 anos goste do filme e então perceba que ele é a adaptação de um jogo. Mas, não espero que ela jogue, mas que perceba que os jogos são importantes e que lidam com emoções humanas, não somente com carnificina. A maioria das pessoas tem uma certa visão caricaturada dos jogadores e, na verdade, jogadores são muito inteligentes.
Jogos são uma forma de arte. Percebi isso quando joguei Silent Hill. É claro, eu era um grande fã do trabalho de Shigeru Miyamoto (criador de Mario), e o considero um verdadeiro artista. Jogar The Legend of Zelda, por exemplo, foi um momento belo e poético para mim. Jogar Silent Hill é muito sério — e adulto, é claro — e foi nesse momento que percebi que jogar se tornaria um importante meio de se contar histórias. A qualidade da imersão é muito difícil de alcançar com o cinema. E sinto que é extremamente idiota que filmes como Doom sejam lançados e reflitam tão pobremente os jogos.
EGM: Não ajuda quando um crítico como Roger Ebert diz que jogos não são arte...
CG: F***-se ele. Você sabe, direi a esse cara que ele só sabe ler as críticas de cinema do início do século 20. Foi tudo visto como uma versão degenerada de musicais ao vivo. E era um tempo onde diretores visionários como Griffith estavam trabalhando. Isso significa que Ebert está errado. É simples. A maioria das pessoas que despreza um novo tipo de mídia simplesmente tem medo de morrer, logo mostram sua arrogância e medo assim. Ele perceberá que está errado em seu leito de morte. Seres humanos são estúpidos, e freqüentemente nos tornamos c*zões quando ficamos velhos. Cada vez que uma nova mídia aparece, sinto que é importante respeitá-la, mesmo que ela pareça primitiva ou inútil de cara, simplesmente porque algumas pessoas estão percebendo valores nela. Se você tem um cara no mundo que acha que Silent Hill ou Zelda são belos, então jogos significam alguma coisa.
EGM: Como você tratou o conceito do mal em Silent Hill?
CG: Como Silent Hill vem de uma parte do mundo onde a linha entre o bem e o mal está mais apagada que no Oeste, é muito interessante lidar com isso. Como você não viu o filme, não quero ir muito a fundo nisso, mas digo que, para mim, foi interessante definir o que exatamente é o mal no mundo de hoje. Acho que é uma questão importante de se tratar. Até cinco anos atrás, estávamos vivendo em um mundo que era produto da Segunda Guerra Mundial. Estava muito claro que estávamos do lado bom. Mas muitas coisas aconteceram nos últimos anos, e agora as pessoas não estão mais tão certas disso.
Em Silent Hill, não tento responder a essas questões, mas tento ilustrá-las. E acho que é um dos objetivos mais importantes do gênero horror, fazer as perguntas certas. O Horror é na verdade um gênero muito político. Silent Hill é um jogo muito perturbador, porque você não está simplesmente sozinho fisicamente, mas também sozinho moralmente. Esse é o mundo de hoje. A cada dia, somos forçados a reavaliar nossa própria moralidade.
EGM: Você parece muito apaixonado por esse projeto... você espera conseguir uma seqüência?
CG: É claro, eu adoraria voltar. E claro, Silent Hill 3 é uma continuação direta da história do primeiro jogo... Acho que seria muito possível fazer uma seqüência para esse filme. Como eu disse, Silent Hill é uma mitologia completa, e fiz o que pude em duas horas, mas adoraria contar mais sobre a Enfermeira de Vermelho, Claudia e o Doutor. E mais, há uma quinta dimensão de Silent Hill — como ela existiu no século 18, durante a caça às bruxas de Salem. É tão grande e interessante, e adoraria pular de volta no cavalo.
EGM: Akira, o que todo o projeto do filme Silent Hill significou para você?
AY: Nunca em meus mais selvagens sonhos achei que Silent Hill se tornaria um filme, então devo dizer que estou extremamente grato com a chance de trabalhar nesse incrível projeto. A linguagem que usamos quando fazemos os jogos não era típica — fomos fortemente influenciados por filmes, e realmente quisemos tocar as emoções dos usuários. Quisemos tocar profundamente seu coração. Esse tipo de potencial emocional era geralmente reservado para outras formas de arte, mas acho que conseguimos. E agora, vendo esses produtores tirando inspiração de nosso jogo, foi um momento muito emocionante para mim.