ATUALIZAÇÃO EM 03/10/2005, por James Sunderland
Abaixo segue a tradução completa da entrevista cedida por Roger Avary, roteirista da adaptação cinematográfica do jogo Silent Hill. Essa tradução é material pertencente ao site SILENT HILL NET. Se você estiver lendo de algum outro site que não seja o original ou de algum mecanismo de busca (Google, Cadê, etc.), por favor, não hesite em me mandar um e-mail denunciando a cópia.
Nova entrevista com Christophe Gans define algumas coisas de uma vez por todas
Silent Hill
Não há escapatória
Adaptado por Roger Avary e Roger Roberts sobre uma história de Nicholas Boukhrief e Christophe Gans baseado no jogo popular da Konami, Silent Hill, (co-produzido, como os anteriores, por Samuel Hadida (Necronomicon, True Romance, Resident Evil 1 e 2, Freeway, Nirvana e os recém anunciados filmes Gypsy's Curse e El Aura )), com efeitos especiais e maquiagem de Patrick Tatopoulos e com um dos mais interessantes elencos onde encontramos rostos familiares de filmes de fantasia como Alice Krige (Reign of Fire), Deborah Kara Unger (Crash), Sean Bean (Boromir em Lord of the Rings), Laurie Holden (Marita Covarrubias em X-Files) e Radha Mitchell (Pitch Black). Essa última interpreta Rose, uma mulher que não consegue aceitar a idéia de que sua filha está morrendo de uma doença que não possui cura. Apesar dos protestos de seu marido, ela foge com sua filha para procurar um curandeiro. Em seu caminho, ela passa por um portal que a leva para outra realidade e onde ela se encontra na sinistra e deserta cidade de Silent Hill. Lá, Sharon desaparece e Rose segue o que pensa ser a sombra de sua filha. Mas ela encontrará muitas criaturas assustadoras enquanto uma presença obscura está assombrando a área, transformando tudo o que toca. O povo da cidade - ou o que restou deles - não pode fugir e tem de lutar inutilmente contra a escuridão. Cybil, uma oficial de polícia, se junta a Rose para ajudá-la a cruzar o portal até o outro lado, mas Rose descobre que Sharon é somente uma peça de um jogo muito mais importante. Para salvar sua filha, ela terá de fazer um pacto com o Demônio…
Depois de Crying Freeman e Brotherhood of the Wolf, Silent Hill é o terceiro longa-metragem de Christophe Gans. Ele mostra sua paixão por videogames que deu origem a muitas adaptações cinematográficas, como Resident Evil. Dessa vez, porém, o projeto parece muito mais desafiador. Uma razão para Écran Fantastique estar na equipe de filmagem de uma obra que estará nos cinemas no ano que vem…
Você é um grande jogador de videogame?
Sim, passei um quarto de minha vida jogando videogames.
Você estudou esse jogo com atenção?
Na verdade, joguei o primeiro jogo há cinco anos e estava no meio dele quando chamei Samuel Hadida (o produtor) para sugerir fazer um filme sobre ele. Passamos os próximos cinco anos falando sobre esse projeto e levou muito tempo para convencer o pessoal da Konami sobre fazer um filme leal ao jogo. O time Silent Hill é composto por três ou quatro funcionários que estão realmente conectados ao seu trabalho e comprometimento. Eles não queriam alguém que destruísse seu trabalho. Um longo tempo se passou convencendo-os de que íamos fazer o filme respeitando as regras do jogo.
O MITO DO JOGO
Você tentou diferentes métodos para representar a escuridão antes de optar pela solução numérica?
Não, eu assisti Colateral, o filme de Michael Mann e em alguns momentos, especialmente naqueles que tinham uma imagem de alta definição, conseguiram capturar os relâmpagos; mesmo os menores me surpreenderam. Eu estava preocupado sobre como eu iria reproduzir a escuridão na tela para que tivesse um ambiente similar ao do jogo, onde as personagens só podem enxergar com seu isqueiro. Tentamos algumas tomadas com o diretor de fotografia Dan Laustsen (The League of Extraordinary Gentlemen, Darkness Falls, Brotherhood of the Wolf) e concluímos que seria interessante trabalhar em alta definição porque poderíamos obter grandes elementos com os quais conseguiríamos trabalhar e obscurecer com prazer (:P). Desse jeito, encontramos a atmosfera do jogo, onde não há sombras, com uma imagem bem definida. Também tive o prazer de experimentar a alta definição pela primeira vez. É claro, o restante do filme, o mundo enevoado e a dimensão real, serão filmados com rolo normal. Acho que é interessante usar a alta definição para essa dimensão específica: a Escuridão.
Elementos inspirados em outros filmes? Você estava ciente de que, imitando o videogame, você estaria copiando os filmes que inspiraram o jogo?
Uma vez que sou um grande fã de filmes, rapidamente vi a referência a Jacob's Ladder, de Adrian Lynn, quando joguei o primeiro jogo. Especialmente nessas duas cenas: a sala da enfermaria no início do jogo e a seqüência do hospital onde podemos ver, de fato, a base do jogo. Mas percebi que Silent Hill conseguiu criar um mundo completamente original. Logo, eu não tive receio de adaptá-lo para o cinema e estou certo de que você não encontrará nada do soberbo filme de Adrian Lynn. Todos concordamos que Jacob's Ladder está na raiz do jogo com outros filmes experimentais como os de David Lynch. Mas Silent Hill é uma criação tão bela que existe por si próprio sem referencias óbvias.
Quais são os desafios de transformar videogames em filmes para pessoas que não conhecem o jogo?
É difícil, com certeza. É por isso que éramos três diretores quando começamos a escrever o script. Havia o Roger Avary, diretor e roteirista, Nicholas Boukhrief, um de meus amigos, que é um excelente diretor e também um aficionado por videogames, e eu. Aqui estamos nós pensando, todos os três, sobre uma forma de fazer um filme que satisfaça o público jogador porque estamos do lado deles e não queremos falhar com nós mesmos. Problema: como fazer um filme para aqueles que conhecem o jogo e para os que não conhecem ao mesmo tempo? Silent Hill é uma história mesmo que fique no plano de fundo na maioria do tempo. Mas se você joga várias vezes o primeiro jogo com atenção, então no segundo jogo e na maioria das vezes no terceiro você percebe subitamente que a história tem um grande potencial e que é o que estamos tentando explorar nesse filme.
Esse filme é baseado em Silent Hill 2?
É a adaptação de Silent Hill 1 com alguns elementos de SH3, que é a seqüência direta do primeiro, e com o aspecto de SH2 que eu aprecio nesse tema. Porém, nossa meta não é fazer três jogos em um filme. Estamos realmente tentando adaptar o primeiro jogo; não podemos resistir à tentação de incorporar aqui e ali elementos do 2º e do 3º jogo. Quando lemos o guia do terceiro jogo, podemos ver que o criador quis explicar o que aconteceu no primeiro Silent Hill. É um processo interessante porque o primeiro jogo parece espontâneo como uma criação. Mas depois disso, vemos que o criador tentou desenvolver uma mitologia real. É isso que vamos realizar no filme: permanecer absolutamente leal à mitologia do criador que esse último tentou definir de Silent Hill 2.
A MÚSICA UM POUCO SANGRENTA
É difícil dirigir Radha Mitchell na seqüência que você está filmando atualmente?
É interessante criar uma seqüência de suspense com um monstro que não se move. É claro, o padrão de Hollywood hoje em dia é tanto de movimentos contínuos quanto de montagens vitaminadas. Eu acho que às vezes é interessante fazer completamente o oposto.
Por quê você a escolheu?
É uma questão de feeling. Se você já jogou Silent Hill, sabe que cada personagem tem sua própria poesia. Elas são sofisticadas e distorcidas ao mesmo tempo. Sempre tivemos isso em mente durante a escolha do elenco. Não estávamos procurando por uma estrela necessariamente, mas por comediantes interessantes que desenvolveram seu talento em filmes independentes, como Alice Krige ou Deborah Kara Unger. Elas não são muito bem conhecidas, mas temos certeza de que trarão algo especial para o filme. Ele foi inteiramente financiado pelo seu título, então por quê resistir à tentação de ter um super elenco? Não há necessidade de escolher pessoas que fazem a platéia gritar até altas horas. E quando assistimos a um grande filme como Mulholland Drive, de David Lynch, duvidamos de que o elenco tenha sido escolhido sem nenhuma idéia específica. Está perto do que estamos tentando obter aqui.
"NA MAIORIA DAS VEZES UM FILME BASEADO EM UM JOGO EXPLORA SOMENTE O TÍTULO E FAZ UM MASSACRE…"
(Christophe Gans, diretor e roteirista)
Haverá muito sangue nesse filme?
Para mim, Silent Hill não é um filme sangrento. É mais perturbador. Tive medo enquanto estava jogando porque esse jogo é constantemente perturbador. Entendemos mais ou menos o que aconteceu com aquela garotinha e o que eles fizeram para ela. Desejamos mostrar esse desconforto no filme, mas é verdade que algumas vezes ele será bem sangrento.
O filme será classificado para faixa etária G?
Não, é impossível. Há seqüências sangrentas mas também há nudez. As fotos são perturbadoras, perto do que podemos imaginar no último filme de Clive Barker. Obviamente não classificaremos como PG-13. Não tenho nada contra esses tipos de filme. Pode acontecer de um filme ser excelente mesmo sendo PG-13, como The Others. Que não é nem mesmo um PG-13, é um filme G mas isso não o impede de ser assustador. Mas nosso filme provavelmente não estará na mesma seção de censura. Pessoas que jogaram o videogame sabe do que se trata: uma garota de 10 anos imolada com fogo. Não acho que isso chegue a ter classificação menor que PG-13.
Como podemos chegar a um balanço entre uma bela foto e um filme de terror sério?
Difícil dizer no momento porque ainda estou nisso e não posso dizer se será tão assustador quanto o jogo. Estou fazendo tudo o que posso, logo pode ser que sim. É difícil porque todos sabemos que o jogo não é somente sobre belas imagens: há o som. O jogo é estonteante nos efeitos sonoros e na música. Falando nisso, a música será composta por Akira Yamaoka. Ele é o responsável pelos jogos e sei por todos os fãs ao redor do mundo, é um elemento importante. Sua música é uma obra-prima. Eu usei as músicas originais de SH2 e SH3 como tema de abertura temporário para a montagem. É demais porque sabemos instantaneamente se temos algo parecido com o jogo. A música é uma das essências do jogo.
Explique para nós as quatro dimensões desse mundo…
Não é apenas uma idéia do jogo. É A idéia do jogo. Ela é feita de muitos níveis e acho que a platéia gostará porque, no plano intelectual, é restauradora a sua forma de apresentar a ação e os diferentes níveis: a estrutura e a arquitetura. Uma grande parte do jogo é sobre conceitos. O desafio com Silent Hill é realmente difícil porque você pode estar em um mundo e repentinamente estar em outro com a mesma estrutura do anterior. Usamos muito desse elemento no filme.
E sobre a criação das quatro dimensões?
Simples. Tínhamos 4 diferentes versões do mesmo cenário. Isso é importante, pois quando você está adaptando um videogame para o cinema, você deve não somente reproduzir a história ou a atmosfera como também o prazer de jogar o jogo. E na minha opinião, não vi nem mesmo um simples filme adaptado de um videogame que tenha me dado essa sensação. E às vezes um filme que não é uma adaptação de um videogame me dá essa sensação. Starship Troopers, por exemplo, onde eu me sinto como se estivesse dentro de um videogame. Mas na maioria das vezes um filme baseado em um jogo explora somente o título e faz um massacre.
Eles não apreciam videogames como uma forma de arte.
Exato. Tenho um respeito enorme por videogames. Eu sinceramente acredito que é uma forma de arte e estou tentando reproduzir Silent Hill como um jogo e também como a sensação que tenho quando estou jogando. Não é fácil dirigir, mas digo a mim mesmo que, no pior caso, o filme será ao menos fiel às raízes do jogo.
Na sua opinião, há algum bom filme baseado em um videogame?
Até o momento, não.
Você usará fatores visuais do jogo?
Posso te dizer que uma parte do filme é filmada de um guindaste para reproduzir as visões isométricas que encontramos no jogo. Comecei a utilizar essa técnica em Brotherhood of the Wolf para algumas seqüências. Em Silent Hill, estou usando muito. Há movimentos de mergulho de câmera que giram em todas as direções e foi divertido reproduzir esses efeitos. Imaginamos ainda cenários com partes removíveis somente para poder ter esses movimentos do guindaste e imitar os que vemos no jogo. Fomos além com isso. De fato: temos 108 cenários e externas para esse filme. Uma vez que o filme dura aproximadamente 110 minutos, isso nos dá um cenário/minuto, o que é ambicioso. Especialmente de uma forma onde, geralmente, um filme está confinado dentro de uma casa onde não é somente um cômodo que é filmado. Mas é incomum ter um filme inteiro que aconteça de um lado a outro de uma cidade inteira. Foi um desafio e tanto, especialmente na decoração.
Por falar nisso, como você escolheu a decoradora?
Carole Spier (The Fly, eXistenZ, Naked Launch, Mimic) é ótima e gostei muito de seus trabalhos durante esses últimos anos, especialmente o que ela fez com David Cronenberg. Acho que ela é a pessoa certa e foi um prazer tê-la comigo nesse filme porque é o projeto dos sonhos para uma decoradora. Havia tantos cenários para construir, tantas cenas para juntar! Às vezes, você verá três diferentes localizações que mostram o mesmo movimento. Fomos forçados a fazer isso porque Silent Hill não existe, especialmente com essas 3 ou 4 dimensões.
PERDIDO NO ESCURO
Você está construindo os cenários aos poucos?
Algumas vezes, ligo uma tomada interna com uma externa que mudamos completamente. Todas as combinações são possíveis mas o filme foi precisa e inteiramente diagramado e estamos seguindo os desenhos quadro a quadro ou ficamos perdidos. Devemos não somente trabalhar em cenários diferentes mas também nas dimensões. O roteiro é incrivelmente preciso. De fato é tão detalhado quanto os quadros usados em um desenho animado. Você deveria ver alguns desses desenhos. É exatamente assim que será no cinema.
A decoração segue exatamente o que está no jogo?
Precisamente. Meu lema no filme era: "siga o jogo". Todos nós gostamos disso. É claro, tivemos de adaptar os cenários algumas vezes porque os que estão nos jogos são 3-D e é outra coisa construí-lo na realidade. Mas os seguimos muito de perto. As cores e outros detalhes foram meticulosamente reproduzidos. Sendo um fã do jogo, eu teria ficado muito desapontado se não o visse nas telas.
O que você teve de mudar?
Algo que surpreenderia alguns amantes do jogo é a história que geralmente fica no fundo do jogo. Ela agora está na superfície do filme. Mas tudo isso tem um propósito. Do contrário, teríamos simplesmente uma personagem correndo por uma hora e meia. É impossível não trazer a história à superfície. Mas há dois rolos de filme que contêm exatamente o que está no jogo: uma personagem, sozinha nas ruas, sozinha na cidade, sozinha no escuro (calma, calma, não fiquem empolgados [trocadilho com Alone In The Dark]). Eu quis reproduzir dois rolos de acordo com minha experiência com jogos. Mas não é tudo. Há toda a mitologia de Silent Hill. Estamos finalmente começando a entender o que se passa naquela cidade.
INFERNO, PURGATÓRIO E PARAÍSO
Por quê mulheres como personagens principais?
É verdade que há praticamente somente mulheres. É difícil dizer por quê. Quando você vir o filme, entenderá o que quero dizer. Pensando em todos os elementos do jogo, percebemos (Roger Avary, Nicholas Boukhrief e eu) que tínhamos de lidar com um mundo inteiramente feminino. Decidimos criar uma dimensão feminina para Silent Hill. Não posso dizer mais sem revelar detalhes do jogo, mas sinto que um jeito de focar em Silent Hill é feminino. Se você estudar o jogo, perceberá que o herói, mesmo que seja um homem, age de uma forma geralmente associada a mulheres. Eles têm afeição por seus filhos, são sensíveis e choram. Remova a aparência masculina e você terá uma sensitivismo feminino. O filme gira ao redor de uma mãe e sua filha. Realmente senti isso enquanto jogava os quatro jogos. Tomei a decisão de insistir nesse ponto enquanto adaptava Silent Hill. Veremos o que os fãs acham disso.
Roger Avary escreveu uma grande parte do roteiro?
Como eu disse, todos nós o escrevemos: Roger, Nicholas e eu. E então Roger Avary trabalhou duro nos diálogos, uma vez que ele é excelente nisso. Era lógico que trabalhássemos juntos assim.
O que uma pessoa que não conhece o jogo aprenderá com o filme?
Colocamos a história na superfície precisamente por isso: não é um filme somente para os fãs. É um filme para uma platéia variada. É também uma das razões pela qual escolhemos um elenco quase inteiramente feminino. Para criar algo atraente e sexy de uma forma sutil. Você verá, é um filme que você pode assistir mesmo sem conhecer o jogo.
Qual é sua cena favorita do filme?
É difícil dizer. Amo muitas delas mas tive de reproduzir o Inferno e o Purgatório nesse filme. A Escuridão é o Inferno e o mundo enevoado é o Purgatório. Tive também de fazer uma cena que evocasse o Paraíso. Acho que essa é minha favorita. É curta, mas é minha representação do Paraíso.